quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Primeiro Dia - 28Nov

Cheguei à primeira paragem do meu roteiro, a cidade onde fica a minha primeira cama fora de Lisboa: Hong Kong.

É impressionante como, com umas horas de sono numa cadeira-quase-cama (bendita Cathay Pacific) pelo meio a ajudar à passagem rápida da viagem, o Mundo é cada vez mais pequeno, e num estalar de dedos passei da luz generosa e do frio do Inverno que se anuncia em Lisboa para o calor moderado, a neblina arraçada a smog e a azáfama característica desta metrópole asiática de matriz europeia, a capital financeira informal da Ásia continental.

Para mim aterrar em Hong Kong também teve, confesso, algo de simbólico, porque foi também aqui que culminou a primeira viagem de avião que fiz na vida, com a tenra idade de seis anos. Então, tal como agora, essa viagem marcou o primeiro dia de uma aventura, embora nesse caso não se tratasse de um mero mês mas dos três anos seguintes.


Não tenho grandes dúvidas que a estadia em Macau foi determinante para eu ser quem hoje sou. Não penso que tenha sido só pelo fascínio que me ficou pelo Oriente, ou por três anos de um tipo de felicidade que só aqui se encontrava (entre muitas outras coisas, em Lisboa só muito excepcionalmente se deixaria uma criança de oito anos brincar sozinha com os amigos na rua até às oito da noite, enquanto em Macau esta era a regra).

O que Macau me deu foi a noção que tive hoje ao olhar pela janela do quarto do hotel de Hong Kong: acordei de um lado do Mundo, vou adormecer noutro. A mesmíssima sensação que eu tinha quando regressava ao nosso enclave oriental, e dava por mim a andar de bicicleta no alto da Penha, quando na véspera tinha andado de 'skate' no Jardim da Estrela.

Deve ser por isso que apesar de nunca ter conseguido gerir e guardar o meu dinheiro como uma pessoa normal — demorei três anos entre a minha primeira casa e o meu primeiro sofá e gasto mais em livros na Amazon do que em roupa — que se tudo correr bem irei a cinco continentes em menos de dez anos: porque sei por experiência própria que o Mundo é suficientemente pequeno para acordarmos numa ponta e adormecermos na outra, e não é preciso ser rico ou rigoroso para repetir a proeza a cada dois anos.


É curioso ver como a minha memória não consegue estabelecer uma relação entre a paisagem que me rodeia e me entra pelos olhos - e o meu quarto no trigésimo segundo andar, com janelas do chão ao tecto que tanto permitem apreciar a Baía como o interior, dá-me uma óptima perspectiva - e a Hong Kong que conheci em criança, e ao mesmo tempo me sinto estranhamente em casa, como se viesse aqui com frequência suficiente para sentir que não faço turismo (como sucede quando vou, por exemplo, a Londres ou a Amsterdão) e esta não fosse a minha primeira visita em vinte e cinco anos.

Amanhã vou a Macau. Estou, confesso, curioso quanto à minha própria reacção, nomeadamente porque sei de antemão que o território que ocupa a minha memória - e ocupa-a de uma forma muitíssimo mais clara, nítida e detalhada do que ocupava Hong Kong - está totalmente irreconhecível.

Quando lá vivi era o território mais densamente povoado do Mundo, o que é compreensível se pensarmos que um quinto da superfície do concelho de Lisboa albergava há trinta anos meio milhão de almas. Como apesar de tudo há limites para a expansão em altura (e aqui a nossa ex-colónia perdeu aquilo que a distinguia da floresta de arranha céus que é a cidade onde estou hoje) o que era uma península e duas ilhas é hoje uma extensão quase contínua de terra, e chegará um dia em que as pontes que ligavam as ilhas entre si mais não serão que meros viadutos.

Mas estou curioso quanto à minha reacção não apenas porque o sítio onde passei os anos mais felizes e despreocupados da minha vida mudou, mas porque tenho presente, como se fosse hoje, o que senti da última vez que vi Macau da janela do jetfoil: chorei compulsivamente, sem desviar o olhar da janela, até ao derradeiro pedaço do império português me desaparecer do horizonte.

1 comentário:

Unknown disse...

Não conheço Macau, mas avaliando a pessoa que és hoje só posso concluir que será uma cidade fantástica! Beijo grande da tua afilhada, Alex.