domingo, 9 de dezembro de 2007

Cama e pequeno almoço

Cheguei há pouco a Lake Tekapo, que marca o primeiro dia da minha jornada para o sopé dos Southern Alps, o acidente geográfico mais significativo, e provavelmente a paisagem mais arrebatadora desta zona do Globo, repleta de locais que qualquer um de nós pode apreciar, com uma deslocação ao clube de video mais próximo, travestidos de cenários de super-produção de Hollywood em versão com sotaque neozelandês.

Peter Jackson disse que o momento seminal do filme de que todos nos lembramos hoje quando pensamos no seu País lhe surgiu aos dezoito anos, enquanto lia o épico de Tolkien no comboio que o levava da Wellington natal para Auckland, e ao olhar pela janela começaram a desfilar-lhe na memória as paisagens das Ilhas Norte e Sul, das quais o livro parecia falar "e a partir desse momento deixou de ser ficção para mim, e passou a ser uma história com cor e cheiro".

Ao escrever este post, deitado na cama no meu quarto com vista sobre o lago Tekapo, uma moldura de verde a fazer lembrar um cenário entre a série-americana-passada-cartão-postal -nas-montanhas e os Alpes suíços, com picos gelados a preencherem-me horizonte ao fundo, começo a entendê-lo.

Amanhã vou estar junto ao Mount Cook, o ponto mais alto da Australásia, com os seus três mil e setecentos metros, num hotel de renome e num quarto criteriosamente escolhido para ter uma vista arrebatadora para a montanha onde o neozelandês Edmund Hillary deu os primeiros passos do percurso de sucesso que só acabaria na escalada do pico mais alto do mundo, o tal que eu não queria morrer sem ver (e vi, da janela de um avião).

Hoje, no entanto, tinha escolhido um tipo diferente de alojamento, um conceito algo diferenciado daquilo que nós portugueses estamos habituados: um bed and breakfast, uma espécie de turismo de habitação em que os donos da casa recebem um número reduzido de hóspedes, a quem servem o pequeno almoço e recebem com genuína hospitalidade e familiaridade, um contraponto à simpatia estudada do The George, o small luxury hotel onde dormi ontem, em Christchurch, e ao anonimato luxuoso dos cinco estrelas de Hong Kong, Sydney e Auckland. Foi, aliás, para mim uma surpresa quando o meu portátil detectou que havia rede Wireless na casa. Mas sem surpresa, e pela primeira vez desde que uso internet, é oferecida pela casa.

A tarde foi passada na bebida das cinco (cinco e meia no meu caso, depois de uma volta sozinho pela vila), com o casal neozelandês de meia-idade que nos serve de anfitrião, no lugar dos donos, ausentes num casamento na Austrália, e os meus co-hóspedes, dois casais ingleses em gozo de reforma dourada, um dos quais partilha o meu gosto pela montanha, e os galões de quem sobreviveu ao Caminho Inca, do vale sagrado a Machu Picchu.

Desde que saí de Hong Kong tenho estado basicamente sozinho e, tirando conversas ocasionais aqui e ali — como as duas jovens neozelandesas que ontem no miradouro de Chrischurch decidiram, enquanto bebiam a que não seria com toda a certeza a primeira cerveja, que a melho rcoisa a fazer era saberem quem eu era — a verdade é que há uma semana que não trocava ideias de forma substantiva com ninguém.

Sei que sou uma pessoa atípica desse ponto de vista, porque socializo com tanta facilidade como dispenso totalmente o contacto mais aprofundado com os outros, mas a verdade é que só agora — depois desta hora e meia de conversa com seis pessoas com quem, apesar de muito diferentes de mim em todos aspectos, foi tudo menos difícil arranjar tema — me apercebi de que não conversava com ninguém há sete dias.

Se voltar a viajar sozinho continuarei seguramente a equilibrar o leque de alojamentos que peço, e a fatia de leão caberá, como sempre, aos sítios onde o meu dinheiro garante um sorriso, o tratamento por sir e o room service 24 horas por dia. Mas também não dispensarei, admito-o, alguns sítios onde só tenho garantida cama e pequeno almoço.

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