quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Chegada aos antípodas

Aterrei há pouco em Auckland concretizando o objectivo de levar o meu percurso até aos antípodas — e embora esta ideia seja cientificamente incorrecta, porque os nossos antípodas são no Mar, provavelmente em águas territoriais neozelandesas mas não exactamente em terra firme neste País, desta vez não vou voltar a armar-me em rigoroso — sendo este primeiro dia uma escala rápida para amanhã atacar a ilha Sul, onde estão as paisagens que povoam o nosso imaginário, pelo menos desde que fomos ao cinema ver o Senhor dos Anéis.

Como tinha que introduzir uma variante (o meu sócio, que vai acompanhando os meus gastos intercontinentais, chamar-lhe-ia uma atenuante) ao tom até agora seguido pela viagem, que tem sido de hotel de cinco estrelas em hotel de cinco estrelas, de táxi em táxi e de lounge executiva em lounge executiva, decidi introduzir uma nota mais proletária, e apanhei um transporte mais barato para o hotel.

Não um transporte público, é certo, até porque andar a carregar dois volumes grandes e dois pequenos, com mais de 50 Kg de peso, não é pura e simplesmente exequível. Apanhei um shuttle, uma espécie de táxi colectivo e partilhado, que me permitiu fazer um percurso certamente diferente do porta-a-porta, enquanto no caminho para o meu hotel no Centro de Auckland parava para deixar um turista alemão menos abonado (ou menos exigente do que eu com a qualidade do WC) num motel dos arredores e um casal de nórdicos de meia idade no Hilton.

Este percurso permitiu-me ver os arredores, que foram alternando entre o feio, o incaracterístico e o interessante, por esta ordem, no meio de um trânsito infernal que o condutor insistia em contornar, como se soubesse que eu prefiro dar uma volta duas vezes mais longa que ficar parado no trânsito do caminho mais directo. Foi um pouco como se entre a portela e o Ritz fossemos deixar alguém a um hotel de três estrelas no Cacém, IC 19 e tudo, e nos fossemos aproximando de Lisboa até chegarmos a um sítio bom.

As atribulações do percurso foram compensadas no final, com um hotel que excedeu (ao contrário dos dois anteriores que cumpriram na íntegra) as minhas melhores expectativas, do serviço ao espaço, passando por um conjunto de detalhes pura e simplesmente geniais na comunicação e design (Ter um cartão de deixar na porta com Go ahead, Make my Bed em vez de "Please Clean the Room" ou Another Late Night, Sorry com o"Please don't disturb" em letras pequenas são dois em inúmeros detalhes de que poderia falar).

Por deformação profissional, e por conviver diariamente com pessoas totalmente diferentes de mim nesse capítulo, fui ultrapassando gradualmente a minha total falta de sensibilidade e atenção para o bom design. No entanto, com tanta coisa em que concentrar a minha atenção nas primeiras horas neozelandesas, mesmo num dia feio de chuva que nem uma fotografia mereceu (resolvo esta lacuna amanhã, ou quando regressar) não deixa de ser curioso que o que ficará, sem dúvida, gravado na minha memória, é a forma como todos os detalhes do Sky City Grand Hotel (até o simples "Suitable for all types of hair" no normalmente asséptico e neutro shampoo de hotel) parecem ter sido feitos para me agradar.

Agora, depois de ter ido ao ginásio do hotel manter a promessa de não passar uma semana sem fazer exercício, o que me deixou moído mas confortável, vou ter que rearrumar a minha mala de 27 dias, aliviando-a dos 15 Kg de livros e roupa que comprei e reduzindo a carga para caber no meu vôo de amanhã, em turística. Esta outra mala será feita como normalmente faço a mala, com roupa em quantidade pouco mais que suficiente para o roteiro que já tenho definido, na parte em que a viagem se transformará verdadeiramente, se tudo correr bem, na aventura (só conduzir pela esquerda seria aventura suficiente) que eu procurei quando escolhi o destino e o roteiro.

Sei que vou ter que passar uns dias sem ter garantido room service ou internet (adeus posts diários, olá Moleskine e MS Word), mas não me preocupa. E sei também outra coisa: por mais bem pensados que sejam os detalhes dos hotéis onde vou estar a partir de amanhá (e em pelo menos duas noites ficarei em dois hoteis do top 5 deste País) tenho a certeza que o que me ficará gravado na memória é outra coisa, a única que eu gosto mais do que poder pedir um prego às 4 da manhã: paisagens tão imponentes que quase sentimos que devíamos pedir licença para lá estar.

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