
A reacção, entre o fascinado, espantado e o risinho nervoso, da dona do rent-a-car onde fui buscar o carro que tinha reservado quando saquei do Nokia Communicator para ver, via web, se o aluguer tinha ou não sido debitado no meu cartão de crédito, foi o primeiro sinal que havia algo de diferente (o segundo foi quando me perguntou com ar inquisitório, ao saber que eu tinha trazido portátil, "mas não vai trabalhar, pois não?", obrigando-me a desculpar-me com um 'blog' que arranjei para me entreter e manter os dedos exercitados nas férias )
Peguei no Toyota Corolla de mudanças automáticas — provavelmente o veículo de quatro rodas mais feio que conduzirei na minha vida — e passados os primeiros minutos de habituação a andar do lado errado da estrada e fazer as rotundas ao contrário (nem quero imaginar como será quando pegar no meu Honda e entrar no Marquês pela primeira vez), e feita uma paragem no supermercado para ter provisões para o caminho, meti-me a caminho de Blenheim, a direcção que me tinham dito ser a melhor para chegar ao meu destino final.
Nelson é uma cidade pequena e simpática junto ao Mar, rodeada por montes altos mas de declive suave, e foi para estes que me dirigi. A estrada tomou um sentido ascendente, em que trechos de curva e contra-curva apertada se sucediam a pequenos vales rodeados de encostas inclinadas, completamente cobertas de vegetação e árvores, que me poderiam dar a impressão de estar no Gerês não fosse o tamanho gigantesco dos pinheiros, os mais altos que vi na vida, cujas copas causavam, mesmo a uma distância considerável, um efeito impressionante enquanto ondulavam ao sabor do vento, que criava um movimento que se espraiava por encostas inteiras de uma só vez.
Com a aproximação de Blenheim o relevo foi-se tornando progressivamente mais suave e plano, e às árvores sucederam as encostas de vegetação mais baixa, cuja cor alternava entre o terra e o verde, a que por sua vez se seguiram vastas extensões de vinha que não permitiam margem para engano: estávamos a entrar em Marlborough, a maior das dez regiões produtoras de vinho na Nova Zelândia, a que se sucede o vale de Waipara, parte da região produtora de Canterbury, que inclui ainda, quase uma centena de quilómetros abaixo, vinha plantada em redor de Christchurch, a maior cidade da Ilha Sul, onde estarei dentro de poucos dias.
Ao ver a sucessão de tabuletas, todas elas irrepreensivelmente cuidadas e claramente pensadas para garantir a máxima visibilidade de quem passe na estrada, não pude deixar de pensar como, nas inúmeras vezes que passei pelas estradas do Alentejo, para falar de uma das nossas principais regiões onde a vinha não está longe das principais vias de comunicação (o Douro ainda é, apesar de tudo, um território longínquo), a minha memória não guarda uma única placa a anunciar-me, como estas faziam, que existem tours, provas e gastronomia em cada um dos Estates por onde estou a passar.
Atravessada Blenheim, e mais umas quantas rotundas feitas em sentido inverso (e a leitura das indicações, em que a primeira saída é a última e vice-versa, é o único detalhe com que ainda não consegui familiarizar-me) entrei então na Estrada Nacional 1, que nos seus primeiros cento e vinte quilómetros me separava de Kaikoura.

À chegada a Kaikoura decidi dar utilização ao GPS que me tinha sido dado no rent-a-car, e que foi motivo de mais risinhos nervosos e admiração da dona do rent-a-car com o meu à-vontade com geringonças electrónicas (dá-me ideia que se a máquina estivesse em Swahili em vez de inglês, ela não se teria sentido menos perdida relativamente à sua forma de operação), o que me permitiu chegar ao Anchor Inn, onde estou alojado, em pouco menos que dois minutos.
Descobri este sítio no meio das minhas pesquisas da Internet, mas de facto seria preciso estar desatento para não o ter descoberto, apesar do site simples e com pouca informação: cinco estrelas da Qualmark, a certificação oficial do Turismo da Nova Zelândia, três prémios Melhor Motel da Nova Zelândia pelo mesmo organismo.
Depois de instalado e orientado pela simpaticíssima e eficientíssima velhota da recepção, confesso que o quarto excedeu as minhas (já de si altas) expectativas. Kaikoura é um cruzamento entre os Açores e um lago nos Alpes suíços, em que a primeira coisa que reparamos é na total ausência de barulho ou confusão, e no ritmo pausado (daí os Açores) mas eficiente (Suíça) com que tudo sucede.
Tinha-me esquecido da porta do carro aberta (aberta e encostada ao carro do lado, não destrancada), e quando a caminho do quarto me ia desviar para fechá-la a senhora avisou-me logo, de sorriso nos lábios Dont't worry, you don't need to do that here. A verdade é que passado um pouco saí de carro para comprar cerveja, para acompanhar o o marisco — crabfish, uma espécie de lagosta a que esta terra deve o seu nome, já que o termo Maori para o designar é Koura, sendo Kai a palavra da língua dos indígenas destas ilhas para comida, ou seja podemos dizer que esta é a terra dos comedores de marisco — que me entregaram no apartamento à laia de jantar, e quando dei por mim tinha deixado a chave na ignição.

Amanhã prevêem que as nuvens baixas e carregadas, que dão uma coloração cinzenta ao céu e tornam praticamente impossível a tarefa de passar para as fotografias a beleza do que me rodeia, desapareçam, e que nos próximos dois dias a temperatura suba e regresse um tempo mais ameno, o que é sempre incerto nesta região. Era o que me dizia a metereologia do meu telemóvel e, mais importante, a dona do Anchor Inn.
Amanhã, se tudo correr bem, vou ter à janela a peça que me falta e me fez vir a Kaikoura, a pincelada que vai tornar único este quadro já de si inesquecível: os Alpes Neozelandeses, que nascem aqui no mar, com picos que têm, visíveis do sítio onde estou, entre os mil e seiscentos aos dois mil e quinhentos metros. Com o bom tempo, talvez tenha a possibilidade de ir ao mar ver baleias e golfinhos. Afinal, não é por acaso que isto me faz lembrar os Açores.
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