
É por isso que fui meia dúzia de vezes a Londres mas ninguém me convenceria a ir ao Madame Tussaud's, e no Louvre perdi uma hora na ala egípcia (há algo que me emociona ao ver um objecto criado e usado, por um ser humano como eu, há quatro mil anos atrás) mas só vi a Mona Lisa porque a minha companhia da ocasião não queria deixar de a ver e porque tenho, apesar de tudo, um enorme respeito pelo génio do autor do retrato, tanto quanto não tenho o mínimo interesse em saber se este é efectivamente da mulher do rico mercador fiorentino Francesco del Giocondo, e de que se parece rir a senhora.
No fundo, é porque sou daqueles que defende que há uma diferença entre um visitante e um turista, e a optar por uma das etiquetas para mim próprio será, definitivamente, a primeira. Sinto-me sempre à vontade quando estou num sítio onde os que me rodeiam estão na sua rotina quotidiana, que decorreria rigorosamente da mesma forma sem a minha presença, seja no interior de um café da praça Nieuwmarkt em Amsterdão, na esplanada junto à Praia de João Pessoa ou no interior de uma tenda berbere no deserto.
Como não sou o Miguel Sousa Tavares — apesar de pensar um dia escrever um livro não planeio alguma vez vir a dar entrevistas a dizer que sou escritor, ou conceber personagens de ficção inspirados na opinião do meu espelho sobre as minhas heróicas andanças (sem patrocínio da Grande Reportagem a mística não é a mesma, admito) pelo mundo, ou arranjar qualquer outro motivo para atraír o veneno do Vasco Pulido Valente — em vez de ir ao deserto fiz o que faria qualquer preguiçoso do Velho Mundo, cuja soberba não lhe permite acreditar que existam aqui edifícios com "valor histórico" que justifique a utilização do termo: portei-me como um verdadeiro aussie (lê-se óghie) e fui torrar ao Sol para a Praia.
Não escolhi uma praia qualquer embora, sejamos francos, depois de ampla pesquisa prévia ainda em Portugal tenha seleccionado também a única que estava suficientemente próxima do hotel para ser razoável ir de taxi: Bondi (lê-se Bondai) Beach, uma das mais conhecidas praias da Austrália, conhecida segundo alguns — e lá voltamos nós ao tema das verdades que ninguém sabe de onde vêm mas que de tão repetidas se tornam incontestáveis — em todo o globo terrestre.
Não posso confirmar se é mesmo conhecida em todo o Mundo, mas sei que tem (e esta verdade não me apetece contestar) o primeiro clube de salva-vidas surfistas reconhecido a nível mundial, com 99 anos de história, um pouco mais do que o surf como modalidade, é certo, mas nada que atrapalhe uma cidade que tem um edifício cuja silhueta só os pastores mongóis, e mesmo assim não todos, não reconhecem imediatamente.
Ou seja, acredito que haja muitos surfistas em todo o Mundo que já ouviram falar de Bondi Beach. Pelo menos mais do que aqueles que ouviram falar de Carcavelos ou da Praia do CDS (e incomparavelmente mais do que sabem o que é o CDS, com certeza). A minha manifesta ignorância quanto ao surf não me permite uma opinião definitiva, mas é um facto que vi fotografias de homens em cima de pranchas há cerca de cem anos, na época em que a praia tinha inspectores que, munidos de régua, verificavam se os fatos de banho das senhoras tinham a medida regulamentar.

Segundo reza a história, no Black Sunday (Black Sunday, Bloody Sunday, alguém já se interrogou porque as maiores desgraças são sempre no dia do senhor?) de 6 de Fevereiro de 1938, quando após uma sucessão de 3 ondas que arrastaram banhistas para o largo, os bravos membros do Bondi Surf Bather's Life Saving Club recolheram 250 pessoas da água em meia hora, 40 das quais inconscientes, sendo que 35 foram reanimadas com sucesso e 5 não resistiram e morreram, literalmente, na praia.
Como referi, evito sempre os programas turísticos, especialmente quando os locais ditos "históricos" são, na melhor das hipóteses, um pouco mais velhos que a minha própria avó, algo ridículo para quem vem de um País com oitocentos anos de história, e há poucos dias convivia com testemunhos vivos dessa mesma história em Macau, a quase onze mil quilómetros de distância de Lisboa.
Assim, e depois ontem de ter assumido, nesta abordagem anti-turística, a solução de compromisso de ir ao edifício da Ópera de Sydney — a boa arquitectura não precisa de ser contextualizada para nos tocar e, mesmo não me arrependendo da ideia do tour que acrescentou esse mesmo contexto à visita, fi-la por interesse pela peça arquitectónica — hoje decidi misturar-me com os locais e ir à praia. Ironia das ironias, à praia com mais história da Austrália.
Nota: a proeza de ter conseguido falar de História a propósito de uma ida à praia deu-me coragem para pôr neste post a única foto que não me pertence. Aliás, podia ter sido tirada pela minha avó.
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