
Confesso que tenho sempre uma certa renitência em ir aos sítios onde toda a gente vai, e onde sei que me vou cruzar com exércitos de turistas japoneses — agora quase ultrapassados por grupos de chineses, com direito a dois tours diários em Mandarim e tudo — e neste caso estamos a falar de mais de 100 milhões de visitantes desde que a Ópera foi inaugurada, em 1973. Desta vez tenho, no entanto, que dar o braço a torcer, e posso dizer que não dei o tempo por mal empregue.
Comprei um bilhete para o tour oficial, e acompanhei o meu grupo de ocasião a uma instrutiva volta ao edifício, conduzida por um guia, um simpático senhor de meia idade, que parecia conhecer todos os parafusos e episódios da história do edifício, e que apenas precisou de segundo e meio de pesquisa de memória para responder a uma pergunta sobre quem era o responsável pela engenharia de som de uma dada sala.
Fiquei a saber uma série de detalhes interessantes sobre a história da Ópera de Sydney, e não pude deixar de sentir algum patriotismo ao perceber que afinal não somos os campeões mundiais dos atrasos e das derrapagens: este ícone australiano, um projecto de um arquitecto dinamarquês escolhido entre mais de 200 propostas de um concurso internacional, demorou quase três décadas a ver a luz do dia, com um custo vinte (!) vezes superior ao orçamentado.
Tive oportunidade de ver os vários auditórios do edifício, e os dois principais continuam a ser, 34 anos passados sobre a inauguração, espaços arquitectónicos de cortar a respiração ao mais prevenido dos mortais.
No meio de tudo isto houve um detalhe — e eis que se manifesta novamente a minha mania irreprimível de descobrir um detalhe que não bata certo — que me fez lembrar a forma como todos tomamos como factos informação que nos é dada sem qualquer justificação estatística credível.
Neste caso foi a alegação, em si inteiramente credível e justificada, de que a ópera de Sydney é um dos edifícios mais reconhecidos (em publicidade chamamos a isto "notoriedade espontânea") do mundo. A parte onde começa a deixar de fazer sentido foi quando me foi anunciado, num tom de segurança científica imbatível, que "três em cada cinco" habitantes do Planeta, "ou seja mais de três mil milhões", reconhecem o edifício.
Fico curioso de como chegaram a esta conclusão. Tenho a certeza que a Ópera de Sydney fez um estudo que incluiu os pastores de cabras do Kalahari, os nómadas da Mongólia, os guardadores de vacas da Índia e os agricultores do interior da China e, porque não, os cultivadores de milho do Midwest dos EUA e os pastores alentejanos (que hoje em dia só têm chaparros para guardar).
É que se somarmos toda esta gente talvez estejamos a falar de dois em cada cinco seres humanos, o que nos leva a concluír que todos os outros, os que vivem em Sydney, Londres, Paris, Nova Iorque ou Lisboa, incluindo os que acham que Salazar foi o primeiro ministro que antecedeu Cavaco Silva, reconhecem a forma do mais emblemático edifício em território australiano.
Faz-me lembrar a história da editora da New Yorker nos anos 70, que dizia não perceber como Richard Nixon tinha ganho as eleições para a presidência norte-americana, "porque eu não conheço ninguém que tenha votado nele". Nixon ganhou em 49 estados, salvo erro. Os nova-iorquinos que a senhora conhecia, que provavelmente só saíam de Manhattan para apanhar um avião, não votaram nele. Os outros, tal como os dois quintos que não conhecem a ópera de Sydney, mesmo que existam não contam para as estatísticas que nós aceitamos como normais.
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