terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Mr. Lato

Chegado ao Hermitage Aoraki Mount Cook — "the famous Hermitage", nas palavras da Andrea, uma das duas miúdas americanas do Colorado que, na sua tipicamente anglo-saxónica viagem semi-descalça antes de acabarem os estudos, apanharam a minha boleia até aqui— deparei-me com uma verdade universal: por mais voltas eu dê, nesta viagem corro sempre o risco de esbarrar num grupo de japoneses, risco esse que aumenta quanto mais "famous" fôr o local.

Neste caso a coisa vai ao ponto do hotel ter uma recepcionista japonesa e outra chinesa, sendo que eu na minha inocência inicial acabei por fazer o check in com esta última, que tomei por neozelandesa de olhos em bico (que também as há), o que resultou no primeiro momento de boa disposição da estadia, quando lhe pedi para adiar em uma hora a marcação de mesa que me tinham pré-reservado para as 19:30h, e ela cheia de boa vontade tentou soletrar o nome do 'mr. Lato' para o seu colega neozelandês do lado de lá do telefone só perceber à terceira.

À superfície o Hermitage é um bom hotel de montanha, mas não muito mais do que isso, faltando-lhe inclusivamente algumas das possibilidades que seriam de esperar de um dos cinco estrelas mais conhecidos e tradicionais do País: para além do pecado mortal de não dispôr de menu de 'room service', apesar do guia de serviços do hotel referir que existe "se por alguma razão não lhe for possível utilizar o restaurante", não tenho internet no quarto, ao contrário do que seria de esperar, e os computadores que dão acesso à rede lobby da minha ala funcionam movidos a moedas, e a uma velocidade que me faz supor serem de 1999 (e os chineses não percebem de certeza o que é "fast internet").

Para compensar, e para justificar o facto de ter sido o hotel mais caro de toda a minha estadia, para além do facto de estarmos a 68 Km da povoação mais próxima, está a vista deslumbrante que tenho da janela panorâmica do quarto, embora o dia chuvoso e as nuvens cerradas de hoje só ao fim do dia me tenham permitido descortinar o cume da montanha mais alta da Oceania. Espero sinceramente que as previsões de noite clara que me fizeram ontem se confirmem, e que amanhã de manhã, antes de saír, possa tirar a partir do quarto uma fotografia que rivalize com a do site do hotel.

Independentemente de não estar à altura dos meus padrões de conforto e serviço, a verdade é que não é difícil perceber porque qualquer neozelandês conhece o Hermitage: as suas origens remontam a 1884, sendo que a sua versão actual foi construída depois de um devastador incêndio, que destruíu totalmente as instalações então existentes, em 1958. A ala onde estou — Aoraki, palavra Maori que significa "nuvem no céu", e antecede "Mount Cook" na designação oficial da montanha — foi inaugurada em 2001. Foi aqui que Sir Edmund Hillary treinou a subida ao Evereste, e o nome do neozelandês que foi o primeiro homem a chegar ao cimo da montanha mais alta do mundo (este facto em si foi um mistério até muitos anos depois, quando o sherpa Tensing confirmou que o primeiro pé a pisar o topo foi o do seu companheiro de escalada) está aqui por todo o lado. Aliás, se pensar bem nisso Hillary está literalmente por todo o lado, porque é sua a cara que vem nas notas de cinco dólares neozelandeses.

De qualquer forma, se por um lado valeu a pena ter incluído o Hermitage no meu percurso, mesmo que seja só para ver os três mil e muitos metros das três montanhas à frente da minha janela a desaparecerem nuvens adentro, por outro lado foi uma boa decisão limitar a minha estadia a uma noite: o mau tempo desencoraja grandes passeios, e depois da paisagem deslumbrante do lago Tekapo onde hoje acordei, e do azul sobrenatural do Lago Pukaki, ambos emoldurados por picos brancos no horizonte, se amanhã não vir o cume não será grave. É que, apesar da vista verdadeiramente deslumbrante que tenho da janela, não me vai custar muito abandonar este ninho de nipónicos de terceira idade para atacar as quatro horas de estrada que me separam de Queenstown, onde a média etária do hotel descerá consideravelmente, e onde na quinta-feira começa para um dos pontos altos da minha jornada, o Milford Track.

Nota: este post foi escrito no dia anterior a ser colocado online, dado que o famous Hermitage não tem internet em condições

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