
Comecei por um almoço substancial que tornou imperioso o passeio digestivo — não tomei o habitual pequeno almoço reforçado, que conjugado com a quase total ausência de exercício desde que cheguei a esta ilha me deve ter feito ganhar uns dois ou três quilos, que de qualquer forma não devem sobreviver aos 52 km do Milford Track — passeei sem rumo definido na cidade, o que serviu para reforçar a primeira impressão que tinha tido ontem, de que este é um sítio jovem e descontraído, onde a maioria das pessoas não usa calças ou sapatos, mas onde se pode encontrar uma loja Louis Vuitton ou um estabelecimento vinhos gourmet perdidos entre os múltiplas montras que anunciam t-shirts, óculos escuros, bebidas e comidas, saltos de bungee jumping, voltas de jet boat e todos os outros bens e serviços apreciados pelos jovens radicais.
Só tinha três objectivos definidos, que dado o tamanho da cidade se resolveram a uma distância de dezenas de metros entre si: verificar previamente onde era o rent-a-car onde vou ter que devolver o carro antes de ir fazer o Milford Track e se estava aberto cedo (abre às oito, como todo o comércio local), marcar o meu salto de queda livre de 15.000 pés, mais 3.000 do que se consegue em qualquer outra parte do mundo civilizado, e receber o briefing do Milford Track, que inicio amanhã, comprando os últimos utensílios e roupa necessários à caminhada.
Mas se ontem percebi até que ponto esta cidade é jovem e descontraída, foram precisas as seis ou sete horas que hoje passei aqui em voltas, com uma passagem pelo hotel para descarregar a mochila e as compras que tinha feito para o Trekking, para perceber até que ponto é uma verdadeira mescla de nacionalidades, apesar de eu, como português, continuar a dispôr do estatuto de raridade exótica que parece acompanhar-me desde que o avião da New Zealand Air me depositou em Nelson.
Para além dos japoneses, chineses e coreanos, cruzei-me com uma quantidade considerável de turistas indianos (!), uma espécie que eu desconhecia existir, e que encontro em Queenstown pela primeira vez nas minhas viagens pelos cinco continentes. Possivelmente todos os (vinte) indianos que fazem turismo fora do seu País, marajás à parte (e esses quando vão passar o fim-de-semana a Londres não vão para um hotel, compram um palacete) vêm a Queenstown, um pouco como os ingleses a quem o agente de viagens diz que em Portugal só existe o Algarve.
Confesso que ver um indiano dentro de um táxi no banco de trás seria uma experiência cultural claramente superior aos sexagenários japoneses de botas de trekking de ontem mas, pelo menos hoje, os deuses não me bafejaram com tal sorte.

Como em Roma devemos procurar falar latim, desloquei-me até à beira-lago, onde a oferta é múltipla (pescar, andar de jet boat, velejar no iate neozelandês que ganhou a America's Cup 3 vezes, é só escolher) e optei pelo para-sailing, um pára-quedas ligado a um cabo, puxado por sua vez por um barco, que nos puxa e eleva a uma altitude variável, que chega aos 200 m, sobre as águas do Wakatipu.
A experiência em si recomenda-se, e se evitarmos olhar para os nossos pés (lembramo-nos que se caírmos daquela altura, mesmo sobre a água, morremos), reparar no pequeno que se tornou lá em baixo o barco que nos puxa (idem) ou prestar atenção ao barulho dos cabos em tensão que nos suportam(ibidem), é uma sensação de liberdade tranquila, enquanto planamos com uma visão panorâmica sobre a deslumbrante paisagem que nos rodeia.
Depois de assinar o meu nome e país de origem no livro de registo, e de ter reparado que sucedia na folha a dois americanos e a dois indianos, do tal grupo de trinta, e de ter recebido o habitual elogio ao exotismo da minha nacionalidade pelo piloto do barco (Portugal? That's really strange, ain't it mate? We don't see that much, really...), lancei-me à viagem com mais dois casais, um de chineses e outro de gente com ar ocidental.
Vim a descobrir que eram espanhóis, ele achando que sabia falar inglês (até comigo tentou), ela tão nervosa de medo que nem dizia nada, ele a pedir-me para tirar fotos quando fosse a vez deles subirem, explicando-me que tinha muita memória e bateria (too photos, many battery) e podia disparar à vontade, perguntando-me, espantado com o meu ar tranquilo quando me abriram o arnês para me libertar do pára-quedas you first time this?
A experiência em si recomenda-se, e se evitarmos olhar para os nossos pés (lembramo-nos que se caírmos daquela altura, mesmo sobre a água, morremos), reparar no pequeno que se tornou lá em baixo o barco que nos puxa (idem) ou prestar atenção ao barulho dos cabos em tensão que nos suportam(ibidem), é uma sensação de liberdade tranquila, enquanto planamos com uma visão panorâmica sobre a deslumbrante paisagem que nos rodeia.

Vim a descobrir que eram espanhóis, ele achando que sabia falar inglês (até comigo tentou), ela tão nervosa de medo que nem dizia nada, ele a pedir-me para tirar fotos quando fosse a vez deles subirem, explicando-me que tinha muita memória e bateria (too photos, many battery) e podia disparar à vontade, perguntando-me, espantado com o meu ar tranquilo quando me abriram o arnês para me libertar do pára-quedas you first time this?
Digamos que o neozelandês deve ter percebido que aquele casalinho eram para mim o equivalente ao que para ele seriam dois australianos. À saída do barco ignorou-os completamente, quanto mais não seja para evitar o esforço intelectual de transformar o que eles diziam em inglês, e de mim despediu-se com um piscar de olho e um bye brother. Eu era o gajo exótico que tinha vindo do outro lado do mundo. Eles eram dois turistas que pareciam preparar-se para aquela diversão inocente como se fossem subir ao Everest e falavam muito, num inglês pior do que o dos simpáticos chineses que nos fizeram companhia.
Ao conseguir comprovar que um espanhol é sempre um espanhol, mesmo do lado oposto do Mundo, e que existem turistas indianos, embora provavelmente só nesta cidade do mundo, achei que já tinha tido a minha dose. Estava enganado.
O epílogo deu-se quando decidi comer um sushi ao jantar, cativado por sushi-men japoneses atrás do balcão, e o empregado (o único caucasiano), depois de perguntar de onde era, respondeu, em português, "pô... não si vê muito djisso aí não". Era de Minas Gerais e depois de me dizer que era "incrível memo" estar a ter um cliente português, o primeiro que ele se lembrava de atender, explicou-me com o humor típico do povo que herdou do português o gosto pela autofagia, que o que não faltava neste cidade eram cidadãos do país-irmão, porque brasileiro é como cão e coca-cola, você encontra em qualquer lugar do mundo.
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