
Comecei por estar num quarto normal, com vista mais favorecida, é certo, mas cuja ligação de internet wireless comportaria um custo excessivo para os meus hábitos de utilização da rede, pelo que a solução encontrada pela Veronica, a simpática argentina que dirige a recepção (um bom sorriso e um muchas gracias operam milagres nesta parte do mundo, posso dizer-vos), foi fazer-me um upgrade, cujo sobrecusto ela, de uma forma muito latina, me disse não ser preocupação que devesse ocupar o meu tempo.
O computador entreteve-se durante largos minutos a receber os 576 ficheiros, a grande maioria imagens, que a minha máquina fotográfica coleccionou desde que abandonei, na última quinta-feira de manhã, este mesmo hotel, até ao regresso, com a restante comitiva, no autocarro de turismo que nos trouxe desde a pequena e remota (leia-se sem rede de telemóvel) cidade de Milford.
Durante esses dias fiz, pelo meu pé, trinta e três milhas e meia, cerca de cinquenta e cinco quilómetros. Se subtraírmos uma milha, quinze a vinte minutos de passeio tranquilo, no primeiro dia, são cinquenta e três quilómetros efectivamente feitos em três dias, Sexta, Sábado e Domingo, sendo que ontem percorri, debaixo de uma chuva torrencial, vinte e um quilómetros em terreno acidentado e passando por dezenas de zonas de avalanche, centenas de cascatas e uma boa quantidade de cursos de água, cuja travessia nalguns pontos me molhou até bem acima dos tornozelos.
Foram seis horas de marcha contínua e acelerada, molhado até aos ossos, de que o meu corpo ainda está, confesso, a recuperar, apresentando sequelas várias que o tempo gradualmente se encarregará de resolver, embora me pareça que a recuperação total se vá arrastar quase até ao regresso a Lisboa. A primeira vítima foi o salto de queda livre que tinha agendado para amanhã, cancelado não só porque o meu estado físico não o aconselha, mas sobretudo porque o tempo carregado, com nuvens baixas, retirariam a visibilidade sobre o lago Wakatipu, que era o principal aliciante do programa. Não é assim, ainda, uma vítima definitiva, embora neste momento possa ser algo mais próximo de um desaparecido em combate.
Independentemente destes detalhes, a verdade é que foi uma experiência única, que relatarei em detalhe mais à frente. Passei por paisagens de uma beleza deslumbrante, e mais do que isso pude recordar a nossa verdadeira escala e importância face ao poder da natureza, algo que a civilização e o enquadramento urbano em que vivemos muitas vezes nos levam a esquecer. Foi também uma forma de conviver com os meus limites físicos, como já não acontecia desde que fiz o caminho Inca, nos Andes peruanos, com a vantagem da altitude mais aceitável deste percurso se ter somado a uma forma física que, apesar da escassez de exercício antes da viagem, era claramente superior à que eu tinha quando parti para a minha anterior odisseia de Trekking, há mais de dois anos.
Terei os próximos dias aqui em Queenstown para recuperar, se o tempo melhorar aproveitarei para alugar um carro e passear nas proximidades, seguindo algumas dicas que recolhi dos meus companheiros de Trekking. Tenho ainda pela frente a tarefa de desarrumar e arrumar, pela terceira e última vez nesta viagem, a minha mala. De qualquer forma, e antes de tudo isso, acho que agora vou descer até Queenstown, e acompanhar o jantar com mais uma boa cerveja neozelandesa.
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