
Aqui vivi no primeiro Mundo, defendia eu, algo de significativo quando nós em Portugal tínhamos ainda que fazer um um longo e penoso caminho para poder dizer o mesmo, até porque na altura - e falo da época do "apertar o cinto" sob o jugo do FMI - estávamos mais próximos do terceiro mundismo latino-americano do que da Europa desenvolvida de que queríamos fazer parte.
Desde que aqui vivi há vinte e cinco anos as coisas mudaram, e agora gostamos de ver-nos como um país do meio do pelotão, embora qualquer mente esclarecida saiba que se não arrepiarmos caminho seremos irremediavalmente ultrapassados pelos que agora nos seguem no referido pelotão, por força da sua posição geográfica mais favorável e, mais importante do que isso, pela cultura de exigência e pela qualidade da preparação dos seus recursos humanos, em que as nossas lacunas levarão uma geração a resolver, se tudo correr pelo melhor.
O que não mudou, no entanto, foi a posição de Hong Kong no pelotão. Mesmo vivendo sob a égide da China Comunista, a Região Administrativa Especial -- e 'Especial' ao ponto de me terem dado, à entrada do Ferry que me me trouxe de Kowloon ao meu hotel, um jornal que me tentava explicar em 9 pontos (incluindo "como o PCC destruíu a cultura chinesa" e "como o PCC é um culto maléfico") como o comunismo tinha os dias contados neste País -- de Hong Kong não mostra sinais de menor dinamismo, e aquela que já foi a oitava economia mundial demonstra antes uma pujança económica, que transparece em cada arranha céus em construção, à prova de qualquer intempérie.
Não falo da míriade de marcas de luxo cujas lojas se espalham como cogumelos por Hong Kong e Kowloon, nem do movimento de pessoas, carros, barcos e helicópteros que ocorre ininterruptamente durante as vinte e quatro horas do dia. Falo da sensação clara com que ficamos, nas palavras de um amigo meu que vive e trabalha em Macau, "que as coisas aqui acontecem mesmo".
Como ele me dizia, enquanto em Portugal temos a consciência de que o nosso esforço é na maioria dos casos vital para que o que queremos suceda, e que se nada fizermos a inércia natural do meio circundante tratará de deixar tudo como estava, aqui existe a sensação inversa: a de que as coisas avançam com ou sem a nossa participação, pelo que se permanecermos estáticos seremos pura e simplesmente ultrapassados, sem apelo nem agravo, pelos acontecimentos.
Como eu dizia há pouco, quando era jovem achava que estar no primeiro mundo era ter as melhores marcas na nossa rua, McDonald's em cada canto, o mais recente grito da tecnologia na loja, um arranha céus mais alto que a cada seis meses acrescentava dez andares ao recordista anterior, e o "Dallas" a passar na televisão sem dois anos de atraso para os EUA.
Achava-o não apenas por ser jovem e um pouco mais ignorante do que sou hoje, mas também porque essas eram as coisas que não tínhamos no nosso País, e que assim causavam o espanto dos meus amigos (todos os lisboetas sabem onde abriu o primeiro McDonald's do País, embora ninguém imagine quantos já abriram desde aí), pelo que eu naturalmente depreendia que o que nos separava do mundo civilizado era o tamanho e movimento do aeroporto e de tudo o que daí vinha.
Hoje sei que o que torna esta cidade do primeiro mundo, como é Nova Iorque, Londres ou Frankfurt: é que aqui as coisas acontecem impulsionadas pela dinâmica natural da sociedade, uma sociedade onde a inércia é o refúgio dos fracos, que são inapelavelmente atropelados e ultrapassados, porque constituirão sempre uma minoria, e nunca a que dita as regras.
Desse ponto de vista por mais milhões, televisões, McDonald's e quilómetros de auto-estrada que tenhamos, depois destes vinte e cinco anos continuamos num sítio que, mesmo mais seguro, confortável e com salários que já não nos convertem em pedintes à saída de Badajoz, ainda está longe, muito longe, de ser do Primeiro Mundo.
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